quarta-feira, 3 de junho de 2009

«Chorava sobretudo por hábito.


Gostava da sensação quente das lágrimas. Acalmava-me. Sempre que me sentia à beira da fúria, ou do desespero, o meu sangue estremecia, a garganta fechava-se e começava a subir-me aos olhos aquela onda pesada de água escura, como que derramada de um caldeirão fervente. Deixava de ver claro, as lágrimas em onda fazem uma barreira que impede o choro, uma névoa grossa que paralisa o corpo. No limite da sufocação, as lágrimas começavam a libertar-se, devagar, uma a uma. Gostava de prolongar esse limite até um extremo de tontura. Como se caísse em câmara lenta sobre a espiral da minha tristeza, perdendo todos os sentidos. Às vezes parecia-me que podia morrer assim, afogada num mar de lágrimas invisíveis num segrego sem exposição. Mas a vaidade das lágrimas acabava sempre por vencer, brilhando como uma chuva lenta de diamantes sobre o meu rosto. Diamantes de lume, as minhas melhores jóias. As mais preciosas. Devolviam-me à vida e, às vezes, à compaixão dos outros. Sentia como cada uma delas se formava, sentia o esforço que faziam para se separarem da onda espessa de raiva. Dezenas e dezenas de gotas lutando pelo glorioso destino de sulcar um rosto, uma só vez. Cada lágrima era uma vitória sobre a prisão da fúria. Saboreava-as, uma a uma, carícia trémula como um dedo de anjo descendo-me até ao pescoço, morrendo-me em sal nos lábios, ou em água no peito. O choro amacia a pele, rejuvenesce-a. Aproxima-nos das crianças. E às vezes comove os outros. Os homens comovem-se com o choro das mulheres, desde que não seja muito repetido. Foi esse o meu erro; não soube dosear as lágrimas. Estava viciada nelas.

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